Viajar para Buenos Aires foi, sem dúvida, uma experiência transformadora na minha jornada artística. A cidade, com sua rica história e tradições culturais, me proporcionou uma oportunidade única de explorar um universo artístico diversificado e repleto de significados. Cada canto da cidade, cada monumento e bairro que visitei contava uma história que ajudou a moldar a identidade musical e artística do país — do legado dos povos originários ao tango, a alma da Argentina.
Ao chegar, fui imediatamente impactada por Puerto Madero. Suas estruturas modernas, contrastando com os espaços abertos e a proximidade com o vasto Rio da Prata, criam uma atmosfera única.


Durante minha caminhada, pude ouvir sobre a importância histórica do antigo porto, transformado agora em um espaço que mescla história e inovação. A Puente de la Mujer, com sua forma elegante que remete ao tango, simboliza essa fusão entre o passado e o futuro — algo que me fez refletir sobre a arte e a música, que também se reinventa ao manter suas raízes ao mesmo tempo que se abre para o novo. Na volta, ainda pude ter um vislumbre da famosa Casa Rosada e do Centro Cultural da cidade.

Outro ponto alto da viagem foi o Caminito, no bairro de La Boca. As casas coloridas, erguidas com chapas de metal e pintadas com restos de tinta dos navios, são um testemunho vivo da criatividade e resiliência dos imigrantes que chegaram à Argentina no final do século XIX. Caminhar por suas ruas foi como viajar no tempo, percebendo como a fusão de culturas moldou não apenas a estética do lugar, mas também sua identidade social e artística. A energia vibrante das ruas, onde o tango ainda é dançado ao ar livre, ressoa como um eco do passado, quando os trabalhadores portuários transformaram sua dor e saudade em música e movimento. Ali, pude entender não apenas a história de sua construção, mas também a força de suas tradições, mantidas como um ato de resistência e celebração cultural. Um lugar definitivamente ancestral.



San Telmo, com sua feira de antiguidades e atmosfera boêmia, também me deixou impressionada. Ali, tudo parecia falar da arte em sua forma mais espontânea, com pinturas, esculturas e músicas que permeavam o ambiente, um dos meus lugares favoritos com toda certeza.
Em seguida, fui à Torre dos Ingleses, que como o próprio nome sugere, foi construída pelos ingleses no início do século XX, cuja estrutura imponente contrasta com os acontecimentos históricos que a rodeiam. Subir até seu topo foi como abrir um novo horizonte sobre Buenos Aires. Dali, o Rio da Prata se estende como um imenso espelho prateado à esquerda, enquanto os bairros urbanos, com sua arquitetura variada, se espalham até onde a vista alcança. A sensação era de estar diante de um tabuleiro vivo.


Já na Praça San Martín, a presença imponente da estátua do revolucionário argentino me fez refletir sobre o peso simbólico daquele espaço. Cercada por árvores centenárias e monumentos que homenageiam momentos cruciais da história do país, a praça não é apenas um ponto de passagem, mas um local de memória e resistência.
O Palácio Paz, com sua arquitetura grandiosa e interiores luxuosos, revelou uma faceta aristocrática de Buenos Aires que contrasta com sua veia popular e boêmia. Inspirado nos palácios europeus, ele traduz o ideal de grandeza da elite argentina do século XX, refletindo um período de prosperidade e influência europeia no país.
Passear por Recoleta me trouxe uma sensação de estar em um pedacinho da Europa, uma verdadeira “Paris da América do Sul“, com suas avenidas arborizadas e elegantes cafés. Contrastando com a tranquilidade de Tigre, onde o ritmo desacelera. Os rios e canais trazem uma paz imersiva e pude perceber como os diferentes espaços da cidade refletem suas diversas facetas culturais.


A visita ao Teatro Colón foi uma das experiências mais marcantes da viagem. Desde a entrada, dava para sentir a grandiosidade do lugar, com sua arquitetura detalhada, lustres imponentes e um ambiente que parecia carregar séculos de história. A fama da acústica impecável se confirmou assim que as primeiras notas ecoaram pelo salão, criando uma atmosfera quase mágica.
Pude assistir ao balé La Bayadère.. Os movimentos precisos dos bailarinos, os figurinos deslumbrantes e a emoção transmitida em cada cena fizeram com que eu me sentisse completamente imersa no espetáculo. Além da beleza da apresentação, o respeito do público e a energia do teatro mostraram como a arte ainda ocupa um lugar especial na cultura argentina. O Colón não é só um teatro, mas um símbolo vivo da importância da música e da dança, deixando claro por que é considerado um dos melhores do mundo.
Já o MALBA (Museu de Arte Latino-Americana de Buenos Aires) foi como entrar em um diálogo vibrante entre o passado e o presente.Suas coleções, compostas por obras de artistas de toda a América Latina, são uma celebração vibrante da diversidade cultural e da criatividade da região. Uma surpresa especial foi encontrar peças icônicas do Brasil, como o célebre Abaporu, que remeteu às memórias escolares, quando tantas vezes desenhamos e estudamos essa obra que carrega a essência do modernismo brasileiro.
Em lugares como o Museo de Arte Decorativo e a Faculdade de Direito, pude compreender melhor a influência europeia na Argentina e a relevância histórica da arquitetura, que também se manifesta de forma marcante na cultura do país. Sem mencionar a experiência única de visitar o renomado Museu Nacional de Belas Artes. Foi fascinante explorar suas diversas galerias e apreciar obras de mestres consagrados como Goya, Rembrandt e Van Gogh, além de peças icônicas de grandes nomes da arte argentina.
A Biblioteca Ávila e El Ateneo Grand Splendid são dois lugares que se contrastam, mas valorizam a literatura e a arte, cada um com seu próprio jeito. A Biblioteca Ávila, com quase 250 anos de história, é uma das mais antigas da cidade e tem um acervo que carrega séculos de conhecimento. Caminhar por lá é como voltar no tempo, vendo de perto livros antigos e raros que acompanharam as mudanças da Argentina ao longo dos anos.
Já El Ateneo Grand Splendid é uma experiência totalmente diferente. Construída dentro de um antigo teatro, essa livraria impressiona logo de cara com seus camarotes preservados, teto pintado e um palco que hoje virou café. O ambiente mantém o charme da época, mas agora recheado de livros por todos os lados.
Esses dois lugares me fizeram perceber como Buenos Aires tem um respeito enorme pela literatura. De um lado, uma biblioteca que guarda memórias do passado; do outro, uma livraria que transforma a experiência de ler em algo quase teatral. Foi mais do que visitar pontos turísticos – foi mergulhar em um pedaço da identidade da cidade.
Tive o prazer de visitar um dos símbolos mais icônicos de Buenos Aires: a impressionante escultura Floralis Genérica, situada na Plaza de las Naciones Unidas. Este marco, que adorna inúmeros cartões-postais.
Fechar minha visita no Parque de la Memoria foi, sem dúvida, o momento mais intenso e reflexivo da viagem. Caminhar por aquele espaço, onde os nomes das vítimas da ditadura militar argentina estão gravados no mármore frio, me fez sentir o peso de uma história que ainda ecoa no presente. Cada nome ali representa não apenas uma vida interrompida, mas também uma ausência que se prolonga no tempo, deixando marcas profundas nas famílias e na sociedade.
Em tempos onde discursos autoritários voltam a ganhar força em diversas partes do mundo, entender o que aconteceu na Argentina se torna ainda mais essencial. Senti profundamente a importância de manter viva essa memória coletiva, não só para honrar aqueles que se foram, mas para garantir que erros como esses nunca mais se repitam.
Não posso deixar de compartilhar a experiência inesquecível que foi cantar pela primeira vez fora do meu país, no palco imponente do Teatro Carlos Gardel, na Argentina. Tive o privilégio de fazer parte do coro Cineopera, o que tornou esse momento ainda mais especial. Foi uma vivência única, em que pude conectar a minha arte com a arte local, e que ficará para sempre gravada na minha memória.
Essa viagem a Buenos Aires não foi apenas uma oportunidade de conhecer uma nova cidade, mas também um convite para olhar a arte e a música sob uma nova perspectiva. Vi como a história e a cultura se entrelaçam na vida cotidiana, e como a arte se reinventa, refletindo as mudanças e os desafios de cada época. Ao explorar Buenos Aires, pude entender a importância da arte como elemento de resistência, expressão e transformação. Isso, para mim, é o que torna a arte tão poderosa. E essa viagem, sem dúvida, ampliou minha visão e me inspirou a seguir explorando minhas próprias experiências artísticas com mais curiosidade e sensibilidade.
Análise final
Buenos Aires deixou uma marca profunda na minha visão musical e cultural. Por isso, incentivo todos a se permitirem viver essa imersão, pois é ao nos afastarmos da nossa bolha e nos abrirmos para novas culturas que realmente crescemos e nos conectamos com o mundo de uma forma mais verdadeira e enriquecedora.